FIQUE VIVA!
- Ana Paula Campos
- 14 de mar. de 2023
- 3 min de leitura

Hoje, mais uma vez, senti necessidade de falar sobre meu infarto. Pensei em começar me desculpando, mas lembrei da poeta negra Ryanne Leão, que nos lembra que não devemos pedir desculpas por nos derramarmos. Hoje vou derramar-me em escrita, mas além de um desabafo, a prosa de hoje é mais um convite a você que está lendo, e um apelo: FIQUE VIVA! O título está no feminino, porque também se refere a uma canção da cantora indígena Brisa Flow. Manterei, mas o racismo não escolhe gênero, então o texto é para todes nós.
Faz três meses que sofri um grave infarto. Ser atendida quase que imediatamente foi crucial para que eu esteja viva agora. Tenho plano de saúde, uma realidade que não é a de muites, então, preste bem atenção no que direi a seguir.
Quando falamos que nós, pessoas negras, somos maioria em casos de hipertensão e diabetes, não é apenas para reforçar um dado estatístico. É para lembrar que precisamos estar atentes ao que nos mata. Morrer pelo disparo de quem deveria nos proteger é o mais comum que pensemos, mas e quanto a nossa saúde mental e alimentar? Dona Carolina Maria de Jesus já nos alertava quanto a isto na década de 50. Ela dizia que “existe só um jeito de nascer, mas vários de morrer”. Há mais de 70 anos esta mulher já nos ensinava sobre necropolítica.
Por falar em estatística, nos últimos anos, doenças cardiovasculares nas mulheres já ultrapassam as estatísticas de câncer de mama e de útero. Dados da Organização Mundial de saúde (OMS) apontam que as cardiopatias respondem por um terço das mortes das mulheres no mundo. São cerca de 23 mil mortes por dia. O infarto chega a representar 30% das causas de morte das mulheres brasileiras, principalmente acima dos 40 anos, sendo a maior taxa da América Latina.
Não encontrei dados específicos quanto à raça, mas não precisamos pensar muito para compreender que a maioria dessas mulheres, provavelmente, são negras. Aos 42 anos foi preciso um infarto para que eu percebesse que minha saúde vem em primeiro lugar. Dores de cabeça diárias, fadiga e mal-estar constante seguidos de “amanhã eu procuro um médico e vejo isso”. Foi preciso um infarto para que eu lembrasse porque alimentos com grande quantidade de açúcar e frituras são mais acessíveis. Vivemos “nos corre” e naturalizamos isso. Não temos tempo para parar e fazer uma refeição descente.
Mas foi preciso um infarto para que eu compreendesse que vivemos expostes ao racismo. São situações constantes de violência e estresse. Não temos paz e estamos sempre em condição de alerta, esperando o próximo golpe. Bem, isso não é novidade para nós, mas o que eu descobri é que situações desta natureza liberam na nossa corrente sanguínea hormônios como cortisol, adrenalina e noradrenalina. Isso reduz o calibre dos vasos e, em longo prazo, potencializa o risco de hipertensão, arritmia cardíaca e infarto.
Não sei se você leu bem, mas vou repetir: “em longo prazo”. Percebe quanto tempo eu me negligenciei até quase morrer? É isso que o racismo faz conosco: coloca-nos em situações diárias de estresse com racismo religioso ou recreativo; muitas vezes de forma sutil, que dificulta uma denúncia, mas que nossa psique sente. Na mesma medida, vamos nos deixando para depois nas urgências de cuidar dos filhes, da casa, do emprego, dos parentes, dos amigues...
A questão aqui nem é sobre medidas. Não importa qual seja seu manequim; colesterol é um problema geral. Então, fique viva! Faça exames periódicos com frequência, mantenha uma alimentação saudável, pratique exercícios físicos, porque isso ajuda a liberar serotonina, hormônio da felicidade e, na medida do possível, tente se desligar do mundo. Não se cobre tanto. Divirta-se. Lembre-se: estar vives e felizes é nossa maior afronta ao Ocidente! Então...
FIQUE VIVA!
Comments